“Minha conclusão é que o ódio é um fardo. A vida é curta demais para se estar zangado o tempo todo.”
A Outra História Americana está perto de completar duas décadas, mas com um tema central universal, o ódio, não há chances de se tornar irrelevante tão cedo.
A cena de abertura apresenta simbolicamente o que estamos para acompanhar em tela. Com imagens de ondas em branco e preto. Ondas que são a representação da perturbação que se propaga através de um meio. Quando Danny percebe que estão roubando o carro da família, ele tira Derek de sua relação sexual para ir de encontro com os bandidos, e consequentemente modificar por completo a vida de todos os envolvidos. Sem que o ladrão tenha notado, ele foi a pedra que iniciou essa onda unidimensional, que só os levou em um única direção.
Somente depois dessa tragédia, nós podemos perceber que toda a cena anterior faz parte do passado das personagens. Danny aparenta estar mais abatido. Com cabelos raspados, assim como seu irmão Derek estava anteriormente. E acima de tudo encrencado. Espera para falar com o coordenador sobre sua redação que exalta os pensamentos nazistas. Percebe-se em seu olhar uma tristeza que muda radicalmente ao ver que seu professor o denunciara. Nesse momento, ele infla, e passa a ter uma postura ameaçadora. Com o orientador, ele tem uma variação de personalidade. É essa conversa com o orientador que será a nova onda na vida de Danny. Ficamos sabendo que seu irmão saiu da cadeia nesse dia, e que Danny precisaria escrever uma nova redação, e seria sobre os fatos que mudaram sua vida a partir da tragédia cometida por Derek.
Depois que fomos apresentados a missão de Danny, a gente começa a entender onde Derek a ter ódio de quem não segue o padrão “White Guy”. Seu pai fora assassinado em um bairro de periferia. Ele já começa a demonstrar certo desequilíbrio para formular uma ideia real, e joga a culpa nos menos privilegiados. A reportagem, que assim como temos em tantos canais hoje em dia, pode ter servido para que o Cameron descobrisse Danny e usado toda sua raiva para que arrumassem outros que tinham os mesmos sentimentos para a gangue. Cameron é a personagem que cria junto com Derek a gangue neonazista.
Com tantas cenas usadas de formas não lineares, a narração de Danny acabou se tornando um tanto quanto didática. Ele passa a informar ao espectador as singularidades do ambiente em que vive. Ele reforça a ideia de que ali era um local tranquilo antes das gangues, algo que os policiais já haviam mencionado pouco antes. Esses dois momentos me incomodaram um pouco, pois dizem a mesma coisa e me passou o sentimento de repetição desnecessária.
Em relação à cena de na quadra de basquete, o Danny trata esse momento como um grande triunfo, visto que esse provavelmente foi o momento em que ele passou a seguir o modelo do irmão. Vejamos que ele está com um corte mais curto que no momento da tragédia que mudou tudo. Esse foi um grande triunfo, e não somente pela conquista de território, mas por ter provado a supremacia deles perante o grupo afrodescendente que ali estava, e em um esporte dominado pelo grupo rival. Pouco depois ele relembra da ação criminosa que seu irmão orquestrou com Cameron, que covardemente fica de fora, em que ele esteve presente. E comprovando que Derek foi má influência para o irmão.
Nesse ponto, eu preciso correlacionar às cenas da ceia dessa família. Em um momento, o pai ainda vivo é o agente que injetou veneno na mente do primogênito. Uma ceia geralmente é o momento que todos na família têm um tempo para trocarem ideias, e o pai de Derek usou essa ceia para semear uma ideia que regada ao desespero ia eclodir no ódio racial que destrói sua família. Depois da morte do pai, a viúva resolve tentar uma nova vida amorosa, mas espera no protecionismo do filho, que durante uma ceia explode contra as ideias socialistas de Murray. Enquanto Derek cuspia todo seu ódio na mesa, ele se tornou uma versão raivosa maior que seu pai. A comparação de Davina com a KKK insufla o ódio contido em Derek, que se acha superior ao famoso grupo racista americano. Ele ultrapassa os limites, e talvez seguindo o exemplo de como seu pai os punia, agrediu a irmã, e depois quando estava com os ânimos acalentados, ele tentou se desculpar o que parece ser típico de pais agressores.
A sequencia de um dia a ser esquecido. Derek mata os ladrões. Ele não seria punido pelos tiros, mas foi pela execução do último bandido. Ele travou uma conversa com Murray sobre excesso horas antes, e não se deu conta, cego pelo ódio, que esmagar o crânio do bandido excedia a qualquer limite. E só por isso que ele foi encarcerado. Contou também como a conivência do irmão, que o teria condenado a morte se fosse testemunhar a barbaridade cometida por Derek.
Doris é outra personagem que sofreu com todo o processo de destruição de sua família. Primeiro o marido, a prisão do filho, até o pretendente. Ela foi passageira em sua própria existência. Tentando viver na ilusão de que tudo estava indo bem, apesar das dificuldades, ela foi se atrofiando emocionalmente, e virando uma mulher doente.
Fora da prisão, Derek vira um ícone para a gangue, e para tentar usar a influência de Derek, Cameron já deveria estar ciente dos acontecimentos da cadeia, ele usa Danny para não perder Derek, porém a cadeia o mudou para sempre.
A namorada de Derek é nada mais do que uma típica garota que está com o líder. Stacy mostrou na cena em que o namorado pede para ela largar a gangue na verdade o amor que ela sente é pelo poder e status que ser a namorada do líder da gangue lhe traz. Ela o descarta como uma líder de torcida descartaria um jogador de futebol americano fracassado. Nesse momento Derek entende que ele era só um troféu ou uma insígnia que ela tinha, e que o amor que ele nutria por Stacy não era recíproco.
A vida na cadeia, como a gente já viu em diversos filmes e séries, não é fácil nem em país de primeiro mundo. Derek, um cara orgulhoso, que pensava ser superior aos demais que não fossem de sua etnia, se viu em um sistema que não há o luxo de orgulho, e sim, a luta pela sobrevivência. No trabalho, ele é encurralado pela fria realidade, a minoria naquele ambiente é ele. Era esse sistema que ele tanto orgulhava em seus discursos, que agora ele se via enfurnado. E mesmo assim, na cadeia, ele acreditava que seus princípios deveriam ser mantidos. Ledo engano. O convívio no trabalho ia o despertando. A mistura entre brancos, negros, hispânicos o inquietava, pois a ordem natural que ele tinha em sua vida agora estava completamente no caos. Tudo que ele acreditava ser verdade fora subvertida pela vida na prisão. A cena em que ele se revolta com sua gangue na cadeia, e o estupro serve como uma nova onda em sua vida. Ele tem uma cartase e passa a compreender que o ódio o cegara que ele não via pessoas e sim ideias, que por sinal estavam erradas. Além disso, o medo o fez compreender que ele não podia mais se dar ao luxo de desperdiçar a vida com pessoas que tinham a missão de derrubar os outros. E conversando com Danny, ele conseguiu transmitir todas as angustias que sentia em ter destruído sua família.
Como já comentava, Danny não parecia estar seguro com esse discurso de ódio desde o início, e só usava como um escudo para suas inseguranças. Para não ser engolido em sua insignificância. Também devemos lembrar que nessa época, o jovem costuma se juntar a grupos, e ele teve a péssima influência de seu irmão. Ele só fez o que era mais fácil. Uniu-se com um grupo, que no fundo ele tinha consciência, que só o levaria o fundo do poço, mas quando não se tem nada, nenhum plano, qualquer coisa acaba servindo. Sua irmã já comentava quando ele estava sendo gravado pelo Seth que aquelas palavras não eram de coração, e se notarmos o modo exagerado como ele diz, a gente entende que aquilo era uma encenação.
O final, a morte do Danny é o fim de um clico de horror para a família Vinyard, e o inicio de outro ciclo para a família do garoto que o matou. Por isso que no final, a praia, e consequentemente a onda é que são destaques. Ela é simbólica, assim como no início, ela mostra a perturbação.
Sobre o elenco, escrevo que estava afinadíssimo do início ao fim. Não tem uma atuação que possa dizer que esteja fora de sintonia com o enredo do filme. Edward Norton, como Derek, atuou como um monstro do cinema, e entregou uma atuação icônica. Chega a ser absurdo alguém defender a derrota dessa atuação em favor de uma pastelona de nenhuma dificuldade. É um daqueles momentos que nos sentimos trapaceados pelos votantes do Oscar. Mas o que dizer de uma premiação que deixa Fernanda Montenegro e Edward Norton de mãos abanando para entregar ao histérico Roberto Begnini e uma normal Gwyneth Paltrow?